"O comportamento individual depende, e muito, do comportamento organizacional."

"Gestores capacitados e comprometidos com a Cultura da Segurança do Paciente são fator determinante para o entendimento e valorização dessa cultura pelas equipes", afirma Victor Grabois no artigo publicado na primeira edição de 2024 da Revista Visão Hospitalar.

Confira o artigo na edição digital da revista: https://indd.adobe.com/view/de0024d6-a142-4b1a-b893-1db01b22de37

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OPINIÃO

Demografia dos Núcleos de Segurança do Paciente no Brasil: diagnóstico essencial para seu fortalecimento e expansão

Redução do grande número de eventos adversos na assistência em saúde e sustentabilidade do sistema são objetivos da pesquisa inédita criada pela SOBRASP, que indica necessidade de mais investimento nos NSPs pelas altas lideranças

Por: Victor Grabois*

O Núcleo de Segurança do Paciente (NSP) é obrigatório, por lei, em todos os serviços de saúde do Brasil - públicos, privados, filantrópicos, civis ou militares, de ensino e pesquisa. A Resolução da Anvisa RDC 36/2013, que instituiu os NSPs, foi emitida logo após o lançamento do Programa Nacional de Segurança do Paciente, criado com o objetivo geral de qualificar os cuidados em saúde em todos os estabelecimentos de saúde do território nacional.

Dez anos depois, como estará a realidade desses Núcleos num país de dimensões continentais e com realidades tão distintas? Quais são suas vitórias e seus desafios atuais? Todas as organizações conseguiram implantar seus NSPs? Senão, o que falta para isso?

Imbuída da necessidade - podemos dizer, urgente - de conhecer esses núcleos, principalmente devido aos números de eventos adversos na assistência em saúde crescentes no país, e à crise de sustentabilidade pela qual passa a área da saúde, a SOBRASP - Sociedade Brasileira para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente criou e conduz a pesquisa Demografia dos Núcleos de Segurança do Paciente no Brasil, cujos resultados da segunda edição serão conhecidos em 2024. Vale ressaltar que todas as informações são protegidas pela Lei Geral de Proteção de Dados. Nenhum estabelecimento é identificado.

Em 2024, teremos um maior e melhor panorama dos NSPs do que no primeiro ano em que o formulário foi respondido pelos profissionais de saúde. A Demografia dos NSPs tem se tornado cada vez mais conhecida, com a SOBRASP expandindo suas atividades com parcerias públicas e privadas em vários estados. No entanto, um dos grandes desafios desse diagnóstico é alcançar as lideranças - tanto as que já entenderam a importância e já trabalham a cultura da segurança nos serviços de saúde (mas ainda não conhecem a pesquisa), quanto, principalmente, aquelas que ainda precisam ser sensibilizadas para o tema. Gestores capacitados e comprometidos com a Cultura da Segurança do Paciente são fator determinante para o entendimento e valorização dessa cultura pelas equipes.

Aqui vale lembrar o conceito do termo, segundo a Anvisa: “A Cultura da Segurança do Paciente é um importante componente estrutural dos serviços de saúde que favorece a implantação de práticas seguras e a diminuição da ocorrência dos danos aos pacientes causados por falhas durante a assistência prestada. (...) É o “produto de valores, atitudes, percepções, competências e padrões de comportamento de grupos de indivíduos que determina o compromisso, o estilo e a proficiência no manejo da segurança dos pacientes”.

Ora, se a cultura da segurança é transversal a todo cuidado prestado, é essencial que ela seja adotada como prioritária pelas lideranças para que seja praticada pelas equipes. O comportamento individual depende, muito, do comportamento organizacional. Iniciativas pontuais acontecem, mas sem o apoio da alta gestão não se sustentam.

Em 2022, quando, segundo a Anvisa, os eventos adversos em saúde chegaram a quase 300 mil no país, os resultados da Demografia dos Núcleos mostraram que a grande maioria dos NSPs que responderam à pesquisa (94%) diz receber apoio da alta gestão, porém, do total dos participantes, 32% não têm reuniões com essa alta gestão; 59,8% afirmam não receber recursos financeiros para suas ações; 52% dos núcleos não têm espaço físico para suas atividades; em 61,5% deles, o coordenador não tem dedicação exclusiva; e em 50,5% dos núcleos, os demais profissionais que compõem a equipe não têm horas dedicadas especificamente para o núcleo. Os números só corroboram o papel que a alta liderança deve ter.

Antônio José de Lima Junior, chefe de Apoio Diagnóstico e Terapêutico do Hospital das Clínicas de Uberlândia e membro do Núcleo de Informações Estratégicas da SOBRASP, diz que as estatísticas da pesquisa também mostraram que um Plano de Segurança do Paciente foi implantado, em maior número, onde os profissionais têm horas semanais exclusivas dedicadas aos Núcleos, e onde os coordenadores dos NSPs estão há mais tempo nessa função. “Quanto mais longa a permanência na instituição, maior o conhecimento da sua estrutura e funcionamento e maior o envolvimento do profissional, possibilitando mais sucesso nas iniciativas”, afirma.

Muito provavelmente, nos resultados da Demografia dos NSPs que serão anunciados em 2024, ainda veremos que a maioria dos Núcleos se encontra em hospitais (87,5% dos respondentes, em 2022), embora a RDC 36/2013 preconize a existência dos NSPs em todos os serviços. Avançar na criação dessa célula mater da segurança do paciente na atenção primária, em maternidades e pronto-atendimentos é prioritário, pois eventos adversos ocorrem em qualquer estabelecimento de saúde.

Se não melhorarmos a segurança na assistência em saúde, além dos custos cada vez mais altos para consertar o que poderia ter sido evitado, do aumento da judicialização e do descrédito das instituições, as tragédias continuarão a ocorrer, provocando danos muitas vezes irreversíveis aos pacientes, aos familiares e aos profissionais de saúde, que são a segunda vítima desse sistema do qual todos nós precisamos.

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Victor Grabois é médico, presidente da SOBRASP e coordenador-executivo do Proqualis/Fiocruz.