"Mudanças culturais tomam tempo, por isso mesmo é urgente começar"

 16/01/2024

Aline Albuquerque e Victor Grabois, respectivamente diretora e presidente da SOBRASP, assinam artigo de opinião publicado nos primeiros dias de janeiro pelo jornal Correio Braziliense.

Leia no site do jornal ou aqui, na íntegra:


Sem pressão popular, Estatuto dos Direitos do Paciente continuará apenas no papel em 2024

Neste ano de 2023, a Organização Mundial de Saúde estabeleceu como foco da campanha pelo Dia Mundial da Segurança do Paciente o engajamento do paciente e dos familiares nos cuidados de saúde. Importante lembrar que só é possível engajar alguém, em algo, se reconhecemos esse alguém como igual. Nas instituições de saúde, o engajamento do paciente significa, portanto, reconhecê-lo como membro da equipe, um participante ativo do seu próprio cuidado, com informações e experiências que serão seriamente levadas em conta. Estamos bem longe disso no Brasil, seja no âmbito privado ou no público. Via de regra, o paciente não é, sequer, escutado.

Na saúde pública, especialmente, para que o engajamento de fato tenha chances de acontecer, é preciso antes trabalharmos para corrigir a grande assimetria de poder existente nos serviços de saúde. Há um abismo entre o nível de instrução dos médicos e da nossa classe menos favorecida, que forma a maioria das pessoas que utilizam o Sistema Único de Saúde.

Além das vulnerabilidades cognitiva, emocional e física - comuns aos pacientes em todo o mundo - o brasileiro da base da pirâmide ainda enfrenta, e num momento crítico como o de uma doença, a vulnerabilidade social. Em geral, com pouca escolaridade, ele compreende menos a informação que recebe sobre sua saúde e sofre com os vieses implícitos dos profissionais que o atendem. Se o preconceito e a discriminação impactam negativamente a escuta, imagine seus efeitos sobre o compartilhamento de poder.

Antes de falarmos de engajamento, também precisamos de uma política de letramento em saúde no país - outro pilar do engajamento do paciente. Dizemos “política” porque esse é o primeiro passo para forçar o sistema de saúde a fazer as mudanças necessárias, para que se desenvolvam as capacidades dos pacientes de encontrar, compreender e utilizar informações que possibilitam tomar decisões relacionadas à saúde. Letramento em saúde é uma área de estudo cujas pesquisas comprovam que um paciente bem informado retorna muito menos devido a insucessos no tratamento. Com uma política de letramento, poupamos o paciente e evitamos dispêndios desnecessários de recursos.

A empatia clínica (que é bem diferente de ter compaixão pelo outro) é outro pré-requisito fundamental para que o engajamento aconteça. A interação humana empática entre o profissional de saúde e o paciente, por si só, já é curativa e tem impacto positivo nos resultados das instituições, segundo pesquisas consolidadas em todo o mundo. Há, inclusive, redução dos riscos de litigância, visto que a maioria desses processos está relacionada a problemas na comunicação ligados à empatia.

Por tudo isso, falar de engajamento no Brasil ainda é pular etapas. Uma delas - de ordem mais prática - é o Estatuto dos Direitos do Paciente, instituído pelo Projeto de Lei 2242/2022. Há mais de um ano, esse PL aguarda a emissão de relatório pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal e, sem a pressão da opinião pública, tende a continuar apenas no papel em 2024. Vale dizer que o projeto é de 2016, apresentado na Câmara dos Deputados, e que só foi votado em 2021...

É preciso acelerar. Estamos muito atrasados. O Brasil é um dos poucos países do mundo ocidental que não tem uma lei de amplitude nacional de direitos do paciente.

Obviamente que ela não fará milagres, mas é a base para conseguirmos avançar na cultura da segurança em saúde, que, por sua vez, tem toda relação com o engajamento do paciente. Segundo a OMS, o envolvimento do paciente e da família pode reduzir a carga de danos potenciais em até 15%, salvando inúmeras vidas e economizando recursos. É um percentual de peso numa realidade em que um, em cada quatro pessoas, sofre um evento adverso durante a internação hospitalar devido ao cuidado inseguro.

Depois de nosso Estatuto aprovado, ainda teremos que perseguir os mecanismos que ajudam a garantir seu cumprimento - capacitação de equipes, divulgação ampla, pesquisas sobre a qualidade dos serviços, relatório anual de implantação, acolhimento de reclamações, entre outros. Mudanças culturais e comportamentais são desafiadoras e tomam tempo, por isso mesmo é urgente começar.

Esse é o caminho que vem sendo trilhado pelos mais avançados sistemas de saúde, que colhem os melhores resultados com mais segurança para os pacientes e profissionais de saúde, e garantem sua sustentabilidade. Fomos, somos ou seremos todos pacientes. Unamos nossas vozes para que o ano de 2024 seja um marco na história dos nossos direitos.

*Aline Albuquerque e Victor Grabois, respectivamente diretora e presidente da Sociedade Brasileira para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente – SOBRASP.



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