13/01/2025
Facundo Jorro Barón é intensivista pediátrico e emergencista em Buenos Aires, pesquisador em Gestão Clínica, Qualidade e Segurança do Paciente no Instituto de Efectividad Clinica y Sanitaria IECS) e docente no Institute for Healthcare Improvement (IHI). Abriu o segundo dia do III Congresso da SOBRASP com a conferência “O acesso ao cuidado integral e a equidade nas organizações e comunidades”, e, numa das trilhas temáticas do evento, conduziu a apresentação “Como gerar aprendizagem e amadurecimento da cultura através dos fatores humanos”. No intervalo, Facundo conversou com a equipe do nosso site.
Confira o bate-papo:
Como você se aproximou do tema da equidade?
Facundo Jorro - Eu sou pediatra num hospital que recebe uma população muito desfavorecida socioeconomicamente, no sul da província de Buenos Aires. Vejo diariamente as iniquidades, a forma de atender é muito desigual. Na terapia intensiva pediátrica, via que alguns recebiam uma atenção de ótima qualidade, outros não, sobretudo as pessoas menos favorecidas, que recebiam uma comunicação muito ruim e eram bastante maltratadas. Quando se atende alguém pobre, negro ou com pouca escolaridade, há um preconceito de achar que, já que esse paciente não vai mesmo entender nada, então não se explica o que a pessoa precisa saber. Eu me aproximei dos estudos sobre qualidade e segurança do paciente por uma necessidade minha, por querer evitar que esse tipo de coisa continue acontecendo. Fui buscando caminhos, até que me encontrei com o IECS, o Instituto de Efectividad Clinica y Sanitaria, uma ONG que tem o objetivo de melhorar a efetividade da atenção. Comecei a trabalhar com eles e me dei conta de que havia formas de ajudar a reduzir as iniquidades, e que a primeira forma é a comunicação, é a distribuição de poder, é podermos estar nos mesmos lugares, sentarmos como iguais, nos apresentarmos como pessoas. Por exemplo, quando eu chego para falar com um paciente, eu sou apenas Facundo, não importa meu cargo, sou uma pessoa que quer ajudá-los a sair da terapia intensiva. Se chego me apresentando com todos os meus títulos, eu lhes exponho meu poder. Outro exemplo, quando atendo nesse hospital não uso jaleco, apenas camisa, normal. A iniquidade não é só de acesso, as pessoas chegam, mas não são bem atendidos. E, portas adentro, devemos melhorar nossos indicadores.
A próxima pergunta tem a ver com essa questão: como os profissionais de saúde podem influenciar a alta liderança para a melhoria da qualidade do cuidado?
F.J. - Com dados. Devemos ser muito claros ao mostrar nossos indicadores, com estudos mostrando o antes e o depois de alguma intervenção realizada, por menor que seja, com todas as dificuldades de um hospital público, com poucos recursos e poucas horas para pesquisar. Por exemplo, a mortalidade por Covid no Brasil não foi igual em todo o país. É preciso mostrar à comunidade, aos financiadores, quais são realmente os nossos dados, os nossos indicadores, ter um claro diagnóstico não só das enfermidades, mas do estado geral da nossa população, de onde vêm, como vêm, o que lhes passa, para podermos ter ferramentas para ajudá-los. E devemos coproduzir com os pacientes, porque eu não saberei o que se passa com eles se não lhes pergunto, se não nos sentamos na mesma mesa e não distribuímos nosso poder - o “poder novo” sobre o qual falei na conferência, que flua como um rio por entre todos, para que todos tenham a possibilidade de impor, de alguma forma, o que querem. A tradução dos PREMs e PROMs são resultados que os pacientes esperam de sua experiência.
Como a gestão humanizada pode coexistir com a sustentabilidade dos serviços de saúde?
F.J. - Quando pensamos em valores, não temos que pensar sempre em dinheiro. Se minha atenção é mais cara, provavelmente é muito melhor e isso, no longo prazo, acaba por ser mais econômica. Eu dei valor, mas não somente o valor pensado como custo, mas como equação de valor - o que as pessoas esperam receber e o que eu vou lhes dar. Hoje, a maioria tem acesso, mas ⅓ tem qualidade; se eu posso melhorar a qualidade, eu melhoro a equação, porque vou ter a melhor experiência dos usuários ao mesmo custo, não vou aumentar o custo.
Como manter a qualidade nos serviços de saúde públicos com a alternância de prioridades de diferentes governantes, nas mudanças de mandato?
F.J. - Podemos ultrapassar as fronteiras dos processos políticos, que nos dão prazos curtos. Se pensarmos em melhorar a atenção amanhã, e sermos bem transparentes com nossos indicadores - estamos mal? bem? regular? Mas sabemos onde estamos - podemos mostrar a evolução do que viermos a fazer. Mas precisamos medir. O cuidado mais humanizado em saúde precisa de dados para ganhar credibilidade, como qualquer outra área de estudo.
Você citou um estudo em que houve redução de óbitos entre pacientes pediátricos para uma criança a cada 100. Poderia falar um pouco sobre ele?
F.J. - Foi um estudo muito grande e eu fui um dos especialistas médicos, como pediatra e emergencista, e também como conselheiro em Melhoria, coordenando uma equipe. O estudo ainda será publicado, mostrei os dados em primeira mão neste congresso da SOBRASP.
A liderança dessa pesquisa é do St.Jude Children´s Research Hospital, do Tennessee, que trata câncer infantil e tem o objetivo de reduzir os gaps relacionados à mortalidade nessa área - 85% das crianças com câncer até cinco anos sobrevivem nos países mais desenvolvidos, enquanto que este número é de apenas 55% na América Latina. O St. Jude fez uma parceria com o Institute for Healthcare Improvement para implementar o Projeto Hora Dourada e, no Brasil, hoje, há 25 instituições envolvidas na redução da mortalidade de pacientes na emergência pediátrica.
Você disse que há muitas pesquisas na América Latina sobre iniquidade na saúde…
F.J. - Sim, mas poucas implementadas. A América Latina já tem os diagnósticos, agora é preciso realizar. Essas pesquisas também precisam de mais segmentação. Por exemplo, o Victor (Grabois, ex-presidente da SOBRASP) apresentou dados sobre a mortalidade materna, que é maior entre mulheres negras, mas, por que isso acontece? Por que são negras ou porque vivem em locais desfavoráveis em que a atenção não é de qualidade, e estão longe dos melhores centros de assistência? Qual o nível de educação dessas mulheres? Essas pessoas provavelmente têm menos escolaridade, então se contentam com o pouco que recebem nos equipamentos de saúde.
E é possível eleger uma frente prioritária para atacar, entre tantas já conhecidas, para que a implementação de ações contra a iniquidade seja mais célere nos serviços de saúde?
F.J. - Precisamos ter melhores indicadores sobre qualidade e segurança do cuidado. A forma de melhorar é através da colaboração, e o lema de qualquer trabalho colaborativo é “Todos ensinamos, todos aprendemos”.#
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*Facundo Jorro foi entrevistado por Jaciara Rodrigues, jornalista da Dedicata Comunica, assessoria de imprensa da SOBRASP.
Nossa Missão
Influenciar e integrar pessoas e organizações em prol da qualidade do cuidado e segurança do paciente, promovendo uma abordagem sistêmica de natureza multiprofissional.
Nossa Visão
Transformar, de forma inovadora, os cuidados em saúde fortalecendo sua qualidade e a cultura da segurança do paciente enquanto elementos essenciais da saúde da população brasileira.
Nossos Valores
Paola Bruno de Araujo Andreoli
Atual Presidente