12/06/2025
Entrevista com Paola Andreoli – Hospitalar – SOBRASP
1- Qual foi a motivação da SOBRASP de fazer o manifesto?
Paola: Nós temos sido desafiados, há algum tempo, a alcançar patamares mais elevados de segurança do paciente. Muitos sistemas de saúde, mesmo fora do Brasil, já mostram que o nosso ritmo de melhoria é bastante lento, tanto nas instituições públicas quanto nas privadas. Por exemplo, o sistema de saúde inglês, que tem uma abordagem mais madura e consolidada em relação à segurança publicou, em 2022 e depois em 2024, os resultados alcançados em um conjunto de indicadores de segurança e qualidade do paciente, após a implantação de ações para melhoria da qualidade e segurança. A conclusão do relatório em 2024 é de que, apesar de todo esforço, a melhora foi de apenas 35% dos indicadores avaliados (n=20), o que mostra que não é uma tarefa fácil.
No Brasil, evoluímos bastante nos primeiros anos do programa nacional, mas depois atingimos um platô. Ainda temos iniciativas focadas em temas específicos, como moralidade materno-infantil e higienização das mãos para evitar infecções. O projeto Saúde em Nossas Mãos, por exemplo, que têm trazido resultados importantes, contudo, as organizações nacionais ainda devem concordar com um conjunto focado de prioridades de melhoria da segurança do paciente para que o sistema possa se unir. Essa é parte da conclusão do referido relatório do sistema inglês e serve perfeitamente para o nosso contexto também.
Uma das preocupações, que constam do planejamento estratégico 2025-2026 da SOBRASP, é o engajamento e qualificação das lideranças da saúde, para que estejam preparados para tomar decisões que priorizem a segurança. Isso é uma questão mundial, não só brasileira. Aqui no país, o processo está muito lento. Por isso, nossa estratégia voltada ao engajamento das é tão importante e, para isso, nos próximos dois anos, vamos investir bastante nesse envolvimento, com ações específicas para público.
Para isso, nos associamos a parceiros e criamos este manifesto, que é um chamamento para os lideres e para a sociedade como um todo para a necessidade de propor e adotar novos caminhos que possam levar a melhores resultados na segurança do paciente.
2. Por que as instituições têm tanta dificuldade de “olhar” para a questão da segurança do paciente, entender sua importância, promover a redução de eventos adversos e minimizando assim, danos desnecessários e o impacto negativo na sustentabilidade do sistema?
Paola: Acredito que elas percebem a importância, mas enfrentam dificuldades muitas vezes estruturais. Uma delas é possibilidade de acesso à informação e de qualificação dos profissionais. Há uma disparidade regional que faz com que o local onde o paciente se encontra pode determinar se ele terá um cuidado com maior ou menor segurança.
Outra questão estrutural importante são as condições nas quais os profissionais de saúde muitas vezes têm que operar. Sem uma estrutura mínima, fica difícil implementar processos eficientes.
E, finalmente, mas não menos importante, é a falta de priorização e engajamento dos gestores de saúde, em questões relacionadas à segurança. São eles que, definindo prioridades, alocando recursos e se responsabilizando pelos resultados alcançados em termos de danos aos pacientes, que poderão reverter esse cenário de insegurança.
Um exemplo recente é o trabalho do governo com a mortalidade materna. Durante a pandemia, essa mortalidade aumentou bastante, e o Brasil tem um dos piores resultados no mundo nesse aspecto. Por isso, foi criado o programa Rede Alyne, que busca reduzir a mortalidade materna em 25% e a mortalidade de mulheres negras em 50% até 2027. São ações específicas para evitar mortes que podem ser previstas e tratadas com antecedência, com alinhamento de propósito e com foco e que poderemos avançar. Precisamos de mecanismos que envolvam ministérios, agências reguladoras e organizações internacionais, além de financiamento adequado.
3. Como podemos mudar o cenário em que muitas instituições punem os profissionais por erros ou falhas, dificultando que eles compartilhem suas falhas sem medo de punição?
Paola: Atualmente sabemos que, somente criando um ambiente psicologicamente seguro onde haja possibilidade de diálogo aberto, horizontal e transparente, onde o colaborador possa expor fatos e discutir de forma profissional é que conseguiremos reduzir erros, desenvolver melhorias, inovar e, de fato, proteger os paciente de processos e ambientes inseguros com os quais a área da saúde convive.
O sistema de saúde é, por sua natureza, punitivo devido à formação hierárquica e à cultura de buscar culpados.
Não é privilégio das instituições nacionais, conviverem com uma cultura punitiva. Quando olhamos os resultados das pesquisas de cultura de segurança no mundo, por exemplo, evidenciamos que a dimensão de “Resposta ao erro” é a que mais impacta negativamente na Cultura de todas as instituições.
Mudar isso leva tempo, demanda alinhamento de esforços e transformação de mecanismos de proteção para os serviços e profissionais de saúde, para que possamos em conjunto, reconhecer os erros, aprender com eles e engendrar esforços para evitá-los. Mundialmente existem alguns exemplos de sistemas de saúde que protegem e até obrigam os serviços de saúde a manter uma resposta não punitiva mas restaurativa. Bons exemplos são Sistema de Compensação Sem Culpa da Suécia e da Holanda, ou o Dever de Sinceridade e o Open Disclosure, do Reino Unido e Austrália.
Com um ambiente social mais psicologicamente seguro, fazemos também uma saúde mais segura.
4. Você acha que seria interessante incluir a questão da segurança do paciente na formação de estudantes de medicina, enfermagem e gestores de saúde?
Paola: Sem dúvida! Quando participamos do planejamento do Programa Nacional de Segurança do Paciente, uma das estratégias foi justamente incluir essa temática na formação universitária. É fundamental que os profissionais já saiam da faculdade com uma visão clara sobre os erros do sistema e a importância de processos bem estruturados.
A grande mudança é que, hoje, aprendemos a resolver problemas pontuais, mas precisamos entender que a segurança do paciente depende de uma comunicação eficaz e do trabalho em equipe. Essa formação desde cedo faz toda a diferença para uma assistência mais segura.
5. Por fim, quais são suas considerações sobre o cuidado seguro e compassivo?
Paola: A Organização Mundial lançou em 2021, uma meta de alcance do Zero Dano Evitável. Nesse relatório, além de orientações para implantação de medidas que apoiem as instituições a alcançarem a alta confiabilidade, reforça a importância de ouvir o paciente, engajá-lo e considerar sua participação ativa na transformação dos sistemas de saúde. Afinal, ele conhece suas necessidade e dores melhor do que ninguém.
Precisamos enxergar o paciente com a perspectiva dele. O objetivo é fazer com que o paciente sai melhor do que entrou e não com mais danos decorrentes de um cuidado inseguro. A partir do momento que centramos no paciente, as soluções serão mais rápidas e assertivas e, consequentemente, reduziremos os desperdícios podendo investir de forma mais qualificada na transformação do sistema.
Péricles Góes da Cruz – médico e superintendente técnico da Organização Nacional de Acreditação
A Organização Nacional de Acreditação, desde sua inauguração, há 25 anos, estabeleceu como ponto básico o foco no paciente e as ações necessárias para garantir a qualidade e segurança no atendimento destes pacientes. Por este motivo, de imediato, atendemos à convocação da SOBRASP, para participação do Manifesto – Organizações de Alta Confiabilidade – Zero Dano Evitável Já! Entendemos que todas as lideranças e gestores de saúde precisam assumir o envolvimento direto nos resultados de segurança. O princípio fundamental da medicina, primeiro o de não causar danos, estabelece que o profissional de saúde deve priorizar o bem-estar do paciente e evitar qualquer ação que possa causar danos ou sofrimentos, buscando o maior benefício possível para o paciente, minimizando riscos. Este movimento da SOBRASP, em conjunto com representantes da sociedade civil e lideranças em saúde vem reforçar o chamado urgente “Zero Dano Evitável Já”. Afinal, nenhum paciente deve sair de uma instituição de saúde em condições piores do que entrou. Participem, pois só a colaboração de todos permitirá um resultado eficiente com reflexos positivos para os pacientes.
Fábio Patrus – diretor executivo do Hospital Baleia
Este Manifesto é da maior importância, porque mostra o nosso compromisso quase que inegociável com a qualidade e segurança de nossos pacientes. A gente tem muito que avançar, ainda, em termos desta priorização pelos hospitais com o tema de qualidade, da segurança e de evitar danos. Este deve ser o compromisso de qualquer hospital, privado ou público. Qualidade é uma escolha, é uma premissa estratégica inegociável, porque está mais que provado que quanto mais qualidade você tem, consegue no curto e longo prazo, evitar outros custos e não só os financeiros, mas custos para a família, tendo a permanência do paciente prolongada. Custo para equipe de saúde que fica com o hospital lotado, porque não consegue girar este paciente por conta de um evento que aconteceu dentro do hospital. O hospital é um local de risco e precisamos atuar de forma ostensiva, forte, com empoderamento, com patrocínio estratégico de todas as estâncias da alta direção, para que a gente consiga construir uma cultura de segurança. Não tenho dúvida que todo o investimento feito neste tema, vai reverter em benefício para o paciente e para a instituição no ponto de vista financeiro, porque aumenta giro, reduz o tempo de permanência, reduz gastos no cuidado com estes pacientes que têm eventos e melhora a condição de saúde de quem trabalha na instituição. Este Manifesto reputo como essencial e, espero que a gente tenha outras ações que possamos participar e patrocinar. Para nós é um privilégio poder estar dentro de um grupo de hospitais seletos. Por ter o Hospital Baleia, 100% SUS, neste movimento e que acredita, piamente, ser possível ter um padrão de qualidade compatível com qualquer outro hospital mesmo sendo 100% SUS.
Heleno Costa Júnior – superintendente do Consórcio Brasileiro de Acreditação.
Uma das premissas da missão do Consórcio Brasileiro de Acreditação (CBA) é justamente a melhoria da qualidade e segurança do cuidado prestado aos pacientes. Nossa adesão ao manifesto proposto pela SOBRASP está, portanto, na lógica de nossa missão. Essa iniciativa traz uma ação propositiva e necessária no objetivo de assegurar dano zero evitável. Construindo processos e atitudes proativas, que viabilizem eficiência e levem à conformação de instituições de saúde de alta confiabilidade. É um enorme desafio, mas juntos, nessa proposta liderada pela SOBRASP, as oportunidades se tornam mais viáveis e podem ser mais sustentáveis.
Fabrício Pimentel Fonseca– presidente da Sociedade Brasileira Medicina Hospitalar
O Manifesto em prol de zerar o dano evitável é de extrema relevância, porque a SOBRAMH vem com esta bandeira há muito tempo, divulgando o modelo hospitalista que entrega melhor qualidade, melhor segurança e maior sustentabilidade em saúde. E falar em zerar dano evitável, é falar de melhorar a segurança para o paciente e a qualidade do cuidado e a sustentabilidade, uma vez que o dano, quando ocorre para o paciente, além do prejuízo direto à pessoa, tem um custo muito alto para o sistema de saúde, seja em tempo de permanência no leito, seja em custo financeiro, efetivamente, em não gerar o leito, e dificulta o acesso, uma vez que prolonga a internação dos pacientes. Então para SOBRAMH é um prazer estar assinando este manifesto em conjunto e tem tudo a ver com que SOBRAMH acredita.
Wilson Pedreira – diretor executivo da Associação dos Hospitais Filantrópicos Privados
Organizações de Alta Confiabilidade na saúde são um modelo que devemos perseguir, propagar e ampliar. Este é um trabalho que não tem fim, nem descanso. A busca contínua do erro evitável zero é mais do que um objetivo, é uma obrigação nossa. O evento patrocinado pela SOBRASP na Hospitalar 2025 foi um catalizador deste processo, marcando a entrega do Manifesto por Organizações de Alta Confiabilidade, apoiado por órgão governamentais, associações e federações e instituições por todo o Brasil. a AHFIP (Associação dos Hospitais Filantrópicos Privados) se sente honrada por assinar e participar deste movimento e com o passado que tem suas instituições com segurança e qualidade, se une a SOBRASP no chamamento ao Mercado de Saúde e á sociedade em geral, no caminho da segurança do paciente.
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