29/05/2023
Autora: Claudia Fernanda de Lacerda Vidal, MD, PhD – Diretora Científica SOBRASP
A Mortalidade Materna, definida como o óbito de uma mulher durante a gestação ou até 42 dias após o término da gestação, independente da duração ou da localização da gravidez, devido a qualquer causa relacionada com ou agravada pela gravidez, ou por medidas relacionadas, mas não devida a causas acidentais ou incidentais, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), representa um dos principais indicadores da qualidade da assistência à saúde ofertada à mulheres, e um grave problema de saúde pública especialmente em países com poucos recursos e em desenvolvimento.1
Ainda segundo a OMS, cerca de 830 mulheres morrem todos os dias no mundo, devido a complicações na gravidez e no parto. Na data do Dia Nacional de Redução da Mortalidade Materna também se comemora o Dia Internacional de Ação pela Saúde da Mulher, data essa estabelecida em 1984 durante o IV Encontro Internacional Mulher e Saúde, realizado na Holanda, quando o Tribunal Internacional de Denúncia e Violação dos Direitos Reprodutivos ressaltou o aumento da mortalidade materna.2
O Brasil registrou mais de 39 mil óbitos maternos entre 1996 e 2018, o que demonstra como a mortalidade materna tem sido um desafio de saúde pública para o país.1
Indicadores do Boletim Epidemiológico da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (SVS/MS) apontam para o registro de 1.655 e 2.039 óbitos maternos em 2019 e 2020, respectivamente. Análise temporal da Razão de Mortalidade Materna (RMM) *, no período de 2009 a 2020, mostrou aumento acentuado da RMM variando de 57,9 óbitos maternos para cada 100 mil nascidos vivos em 2019 para 74,7 em 2020. Aumentos das RMM ocorreram também em todas as Regiões nos últimos três anos da série, e no ano 2020 houve estimativas de RMM acima de 100 óbitos maternos para cada 100.000 nascidos vivos para os estados do Amazonas, Roraima, Pará, Amapá, Maranhão e Piauí.
Dentre as principais causas associadas à mortalidade materna, para o ano 2020, predominaram a hipertensão (317 óbitos), hemorragia (195 óbitos) e infecção puerperal (76 óbitos) e aborto (57 óbitos), no rol das causas Obstétricas Diretas. Em relação às causas Obstétricas Indiretas, predominaram as doenças do aparelho circulatório (111 óbitos), doenças do aparelho respiratório (54 óbitos) e doenças infecciosas e parasitárias maternas (variando de 45 óbitos em 2019 a 476 óbitos em 2020).3
O cenário da mortalidade materna tomou uma dimensão ainda mais preocupante no período da pandemia COVID-19, quando se observou um aumento de 70 %. Dados de estudo realizado pela Fiocruz Amazônia demonstrou que, no período de março de 2020 a maio de 2021, foram identificadas 3.291 mortes maternas no Brasil, resultando em um excesso de 1.353 mortes maternas além do esperado. A região Norte, uma das vulneráveis do país, foi a única em que se observou excesso de mortes maternas na faixa etária 37-49 anos, ao longo do período avaliado. Além disso, na região Sul foi observado aumento explosivo nas mortes maternas, principalmente nas mulheres com faixa etária entre 37-49 anos, atingindo o valor de 375% na mortalidade materna excedente.4
É nesse contexto que a Sociedade Brasileira para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente – SOBRASP – chama a atenção de gestores, lideranças, profissionais de saúde e às mulheres para a elevada incidência da mortalidade materna no Brasil, constituindo um grande desafio para o sistema de saúde e para a sociedade como um todo. As elevadas taxas de mortalidade materna se distribuem com marcante desigualdade nas regiões do país, com maior prevalência dentre as mulheres de classes sociais com menor ingresso e acesso aos bens sociais, configurando-se uma tragédia evitável em 92% dos casos, e por ocorrer, principalmente, nos países em desenvolvimento.5
Dentre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e a Estratégia Global para a Saúde das Mulheres, das Crianças e dos Adolescentes, a redução da mortalidade materna se impõe, com meta estabelecida de redução para menos de 70 por cada 100 mil nascidos vivos e garantia de que nenhum país tenha uma taxa de mortalidade materna que supere o dobro da média mundial.6
O Brasil apoia o esforço de eliminação da mortalidade materna evitável, iniciativa global estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU), e reviu sua meta para redução da mortalidade materna sendo estabelecido até 30 mortes por 100 mil nascidos vivos.1
Visando contribuir para a modificação do cenário catastrófico da mortalidade materna, parcerias entre o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Ministério da Saúde (MS) e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) têm sido consolidadas por meio do financiamento de estudos voltados para a 1) identificação do impacto das doenças infecciosas durante a gravidez; 2) como a acessibilidade aos serviços de saúde e a importância do atendimento adequado pode ajudar a reduzir a mortalidade materna e a infantil por causas evitáveis; 3) construção e validação de algoritmos para identificação da morbidade materna grave, dentre outros projetos voltados para a identificação das lacunas e fragilidades do sistema de saúde na atenção materna, e proposta de soluções.7
No entanto, a despeito da redução da RMM em 8,4% entre 2017 e 2018, diminuindo de 64,5 óbitos para 59,1 óbitos para cada 100 mil nascidos vivos, o Brasil apresenta uma taxa elevada apesar da ampla cobertura de assistência pré-natal e ao parto no país, o que aponta para a existência de problemas na qualidade da assistência à gestação e ao puerpério, agravados durante a pandemia, devido a barreiras de acesso a serviços de contracepção, assistência pré-natal, assistência ao parto, unidades de cuidados intensivo e outros recursos assistenciais, segundo os pesquisadores.7
Como parte da Estratégia Global e da meta de reduzir a zero a mortalidade materna evitável, a OMS orienta o direcionamento das ações para 1) Abordar as desigualdades no acesso e qualidade dos serviços de saúde reprodutiva, materna e neonatal; 2) Assegurar cobertura de saúde para atenção integral à saúde reprodutiva, materna e neonatal; 3) Abordar todas as causas de mortalidade materna, morbidades reprodutivas e maternas e deficiências relacionadas; 4) Fortalecer os sistemas de saúde para coletar dados de alta qualidade, a fim de responder às necessidades e prioridades de mulheres e meninas; e 5) Garantir a prestação de contas para melhorar a qualidade do atendimento e a equidade.6
Assim, faz-se o alerta para que as políticas nacionais, direcionadas para o enfrentamento desse grave problema de saúde pública, possam ser implementadas em todos os serviços de saúde do país, de forma a prover uma assistência segura, equitativa, de qualidade e respeitosa a todas as mulheres.
A SOBRASP convida tambem os leitores a ouvirem o podcast Pausa pro Café - SOBRASP com o tema "Aliança Nacional para o Parto Seguro e Respeitoso” disponivel no link https://open.spotify.com/episode/4SVRCkdKY8P2s7G0Q60vpO?si=6f2788e4260a448b
*Razão de Mortalidade Materna= número de óbitos de mulheres por causas ligadas à gestação, ao parto e ao puerpério, dividida pelo número de nascidos vivos e multiplicado por 100.000.
Referências
1. https://bvsms.saude.gov.br/28-5-dia-nacional-de-reducao-da-mortalidade-materna-2/
3. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico 27. Vol 53; N 20; Maio / 2022. file:///C:/Users/Usu%C3%A1rio/Downloads/Boletim%20Epidemiol%C3%B3gico%20Vol.53%20N%C2%BA27.pdf
6. https://www.paho.org/pt/node/63100
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