Professor na Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa (NSPH-NOVA), e chefe do Centro Colaborador da OMS em Segurança e Qualidade nos Cuidados de Saúde na mesma instituição, Paulo Sousa é um parceiro da SOBRASP de longa data e esteve nos três congressos da Sociedade. No mais recente, palestrou na conferência de abertura do evento sobre o tema “Caminhos para uma Política Nacional de Qualidade e Segurança do Paciente” e, em seguida, conversou com a equipe do site.
Confira o ping-pong*:
Desde 2013, o Brasil conta com um Programa Nacional de Segurança do Paciente, mas ainda não temos uma política na área. Como você analisa a questão?
Paulo Sousa - Acho que o mais importante é ter a parte instrumental, um programa, um plano, uma direção, uma visão. Ou seja, saber para onde o país quer caminhar, quais são as prioridades, porque é essa informação que vai passar para o nível regional e local de gestão, para que todas as organizações apontem na mesma direção e possam medir e depois comparar, quer entre elas - do ponto de vista longitudinal, como está o hospital hoje, como estará daqui a um ano, como vai estar daqui a três - quer com o mercado, com B, C e D. É claro que o cenário ideal é ter as duas coisas: as políticas e depois os planos para operacionalizá-la, porque também não faz sentido termos políticas e não conseguirmos fazê-las chegar até a ponta.
Portugal também lançou o seu Plano de Segurança do Paciente, certo?
PS - Lançamos um plano de 2015 a 2020. O país quis dar continuidade, obviamente redefinindo objetivos, indicadores, e agora temos um plano até 2026.
Há similaridades entre Brasil e Portugal na área de segurança do paciente? Desafios e pontos fortes em comum?
PS - As dimensões continentais do Brasil e as assimetrias entre regiões e estados, e até interestaduais, são um enorme desafio que Portugal não tem, pois somos um país relativamente pequeno, com 10 milhões de habitantes. No Brasil, o Ministério da Saúde tem um papel mais central, de emanar diretrizes mais gerais que cada estado segue, adaptando às características regionais de acordo com o nível de maturidade de suas organizações e das condições financeiras etc. Os estados, aqui, podem lançar suas políticas sem oposição à nacional, mas alinhadas a ela.
Num momento de sua apresentação você disse: “Não nos enganemos. A segurança do paciente não existe sem as condições para os profissionais de saúde”. O que tem sido feito em Portugal nesse sentido?
PS - Nós não temos iniciativas em nível nacional, mas instituições que implementam programas de suporte, e mais no âmbito privado, que é mais sensível às questões de qualidade de segurança - até porque, se não tiver um bom nome na praça, digamos assim, o paciente não vai lá. Os programas que beneficiam o profissional de saúde refletem, também, na atração de profissionais de qualidade e competentes, porque não é só uma questão de incentivo financeiro, mas de oferecer um projeto de carreira para a pessoa e saber dela o que ela quer para si daqui a três, cinco anos. Isso faz toda a diferença. Vou lhe dar um exemplo. Recentemente fui dar aulas no norte de Portugal. Era um grupo muito heterogêneo, com profissionais do setor público e do privado da mesma cidade. O grupo privado tem direito a seis consultas de apoio psicológico por ano, o setor público não tem nada. Muitas vezes, nem o serviço de medicina do trabalho ou de saúde ocupacional contempla isso, ou, se contempla, espera-se muito tempo pelo atendimento. Os profissionais dos serviços privados ainda têm apoio judicial para questões privadas, por exemplo, se um colaborador está se divorciando. É uma coisa que não tem a ver diretamente com a função profissional, mas, se alguém não está bem consigo não consegue tratar bem dos outros, nem se relacionar bem com os colegas. Essa visão de uma instituição privada sobre a saúde mental e o bem-estar dos trabalhadores impacta o desempenho diário. E não tenha dúvidas, se houver um presidente de conselho de administração ou um diretor clínico que considere isso é importante, se ele for uma pessoa ativa e proativa, torna isso prioritário e escolhe as pessoas certas dentro da instituição para fazer isso acontecer.
É possível tangibilizar o retorno financeiro proporcionado pelas ações em prol da qualidade e da segurança do paciente nas instituições?
PS - A não qualidade tem custos. As ações pela segurança do paciente e a qualidade do cuidado precisam ser vistas como investimento, não só como despesa. Um doente com uma infecção hospitalar vai ficar mais tempo internado, vai consumir mais recursos, vai ocupar o leito de outro doente. É claro que é preciso transformar os modelos de financiamento, a exemplo do movimento iniciado por Michael Porter, que propõe cuidados de saúde baseados em valores (Value-Based Health Care - VBHC). Se eu tiver melhores outcomes, eu ganho mais. Por exemplo, com relação aos never events. Nos Estados Unidos, se eles ocorrem, as seguradoras não pagam, o ônus fica com a instituição. Se um doente com determinadas características não poderia ter uma infecção, mas tem, todo o prolongamento na cadeia hospitalar e o consumo de recursos a seguradora não vai pagar. Só assim a questão passa a ser uma prioridade para aquele hospital, que vai alinhar toda a sua assistência para a qualidade do cuidado e segurança do paciente.
Você também tocou na importância da formação em segurança do paciente. Sabemos que é um assunto que precisaria ser transversal a todas as disciplinas das graduações em saúde, por exemplo, mas não é.
PS - Essa é uma questão muito difícil porque tem a ver com a autonomia das universidades. Pelo menos em Portugal e nos países que conheço, toda a gente na graduação acha mais importante a fisiologia, a anatomia, a fisiopatologia das doenças etc, e os aspectos da segurança do paciente ficam em segundo plano, quando deveriam ser tratados no mesmo nível, para termos futuras gerações mais atentas, mais preparadas. Na pós-graduação o cenário melhora com as especializações, os cursos curtos, os próprios congressos como esse, da SOBRASP, que acabam por estimular os profissionais de saúde a se conectarem mais com esses conteúdos.
Poderia falar um pouco sobre o primeiro relatório sobre segurança do paciente publicado pela OMS, em maio de 2024, e do seu trabalho no Centro Colaborativo da OMS para Educação, Pesquisa e Avaliação da Qualidade e Segurança na Saúde, na Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade NOVA de Lisboa?
PS - Esse relatório foi feito pela equipe do escritório da OMS em Genebra. Nós, enquanto centro colaborador, apoiamos a OMS em nível mundial naquilo que ela não tem expertise, atuamos na parte da educação, pesquisa e avaliações sobre qualidade e segurança. O que fizemos, a pedido do escritório de Atenas da Organização, foi uma revisão para tentar mapear os países que já tinham implementado planos de qualidade e segurança do paciente, saber como construíram esses programas, como implementaram, as barreiras/dificuldades. O objetivo foi trazer mais conhecimentos baseados em evidências para a OMS apoiar os países. #
*Paulo Sousa foi entrevistado por Jaciara Rodrigues, jornalista da Dedicata Comunica, assessoria de imprensa da SOBRASP.